Em qualquer religião, o fanatismo é condenável, principalmente na umbanda. Não me refiro à paixão extrema da sua religiosidade.
Alguns adeptos da umbanda não sabem separar a religião de seus afazeres tradicionais, como o trabalho, a diversão e a família. Por ser a umbanda envolvente e cheia de mistérios, provoca uma excessiva sede de vivê-la em todos os instantes. Nas minhas andanças pelo espiritismo, ganhei muita experiência para poder recomendar, principalmente aos jovens, uma observância severa no policiamento de suas atividades espirituais.
O estereótipo do fanático religioso fica por conta do Pedro José. Quando moço, fazia parte do terreiro em que eu trabalhava. Recém ingressado na maioridade civil, exorbitava com seu deslumbramento pelos mistérios da umbanda e pela impaciência no processo evolutivo da sua mediunidade. Só falava em umbanda. Sua noiva Dulce também componente do grupo, uma doce e bonita jovem, ainda com a graça dos dezoito anos, era sua companheira incondicional, acompanhando-o em todos os lugares, mesmo nos quais o assunto era a religião umbandista. Um grupo de pessoas, formada por casais e pessoas de meia idade, no qual eu me incluía, recebia sempre a visita do jovem casal. Aquilo me preocupava. Quando tive oportunidade, chamei-o para conversar. Recomendei:
- Pedro, não entenda errado o que vou dizer, mas gostaria muito, para teu próprio bem, que você não fosse mais com a Dulce nas nossas reuniões.
Ele pareceu surpreso. Indignado retrucou:
- Por que você disse isso? O que ela fez?
- Não distorça as coisas que te disse e ainda vou falar. Você não percebeu que nessas reuniões só existem pessoas com suas vidas familiares já definidas, e que se reúnem com o objetivo único para falarem sobre a umbanda? Vocês são jovens, noivos, e ela só está dentro da religião por imposição sua. Isso deve aborrecê-la.
Sempre disse que conselho dos mais velhos, não precisa ser acatado, mas deve, ao menos, ser considerado. Ele, ao contrário, estampou um largo sorriso, e se enchendo de empáfia, limitou-se a dizer:
- Fiz a cabeça dela. É uma umbandista convicta e adora as reuniões. Ela é até a cambone das minhas entidades.
Eu não conhecia o Pedro na intimidade. Nem podia, pois só falava dos exus, dos caboclos e dos orixás. Eu tentei convencê-lo, já com sarcasmo, diante de sua irredutível posição.
- Antes de mais nada, meus parabéns: você já tem entidades. – falei, ironizando sua assertiva ao mencionar "minhas entidades". – Mas aconselho, Pedro, vão assistir filmes nos cinemas, leve-a passear, ou vão dançar em uma discoteca, ou mesmo vão visitar amigos da tua geração.
Nada adiantou eu falar. Ele continuou, cada vez mais fanático e convencido que sua noiva gostava de sua egoísta programação religiosa. Fiquei preocupado, mas não me arrependi de ter dado esses conselhos ao Pedro. Alguns meses passados, ouvi tocar a campainha da porta da minha casa. Fui atender, era o Pedro. Já sentado no sofá da minha sala, ele era a expressão do sofrimento. Olhar triste, pestanas caídas, pálido e com olheiras marcadas. Perguntei, preocupado:
- Que aconteceu com você?.
- A Dulce desmanchou nosso noivado. Exclamou, desolado.
- Por quê?
- Não sei. Hoje, quando cheguei na casa dela, me disse que nosso relacionamento tinha acabado, por razões que não queria explicar.
- Posso fazer alguma coisa por vocês? Prontifiquei-me.
- Você pode conversar com ela? .
Prometi procurar a Dulce e tentar convence-la a reatar o compromisso com o desesperado Pedro. Só a procurei uns dias depois, esperando ela refletir bem sobre o assunto. Pelo telefone, nosso diálogo não foi produtivo:
- Dulce, é o Fernando. Soube que você rompeu o noivado com o Pedro. Vocês sempre deixavam transparecer muito amor e harmonia. Que aconteceu?
Devo ter mexido com os brios da Dulce. Ela, não se fazendo de rogada, foi categórica:
- Não agüento mais falar de umbanda. Não vou me casar com um homem que não sabe diversificar sua vida, ou ser agradável. Ele demonstra um egoísmo incomum. Que fique com uma pomba-gira qualquer e me deixe em paz. Asseverou, rancorosa.
Conversamos algumas banalidades e desligamos o telefone.
Liguei para o Pedro para dar conta do prometido. Ele, ansioso no telefone, perguntou:
- Ela contou porque brigou comigo?
- Foi teu fanatismo. Expliquei, lacônico.
De fato, não houve mais acerto entre os dois. Hoje estão em caminhos diferentes. Ele, ainda solteiro, abandonou a umbanda por desgosto, e ela constituiu uma família.
Por esses fatos de comportamento familiar, que nada tem a haver com a umbanda, é que os dirigentes devem ter a cautela de orientar os membros da corrente, inclusive com hora de encerrar a gira.
No terreiro do Edmundo Ferro, as giras terminavam por volta da meia noite. Alguns médiuns, inclusive eu, nos habituamos a ir num bar depois das giras, comer um sanduíche ou uma coxa de frango. Tinha até uma mesa de bilhar, onde alguns deles demonstravam suas qualidades juvenis. Chegávamos em casa já dentro da madrugada. Claro, no dia seguinte, ouvia a costumeira advertência da Yedda:
- Como acabou tarde ontem o trabalho.
Eu, omitindo o frango, o bilhar e o papo, não mentia:
- Não, você está enganada, a gira terminou cedo. Cheguei tarde em casa, porque ficamos conversando.
O experiente pai-de-santo sabendo do fato, quando chegamos no final de uma gira, antes de dispensar o grupo pediu a atenção de todos, e lendo uns nomes anotados em um papel, determinou:
- Fernando, Mingo, Antonio, Mauro, Paulinho, Leocádio, Mario e Zezito. Peço que todos fiquem no meio do terreiro.
Surpreendidos com a atitude do Ferro, caminhamos, todos, desconfiados e lentamente para o meio do terreiro, sem entender nada. O dirigente retomou a palavra:
- Soube que vocês, incentivados pela gula deste gordo de cento e vinte quilos– e apontou para o Mingo, quando saem do terreiro, vão comer coxas de frango em um bar. Não tenho o direito de proibir que vocês façam isso, mas posso exigir que ao saírem daqui do terreiro, vocês voltem às suas casas. Depois saiam, e façam o que quiserem. Ordenou.
A preocupação dele tinha procedência. Não queria que nossas famílias se voltassem contra o terreiro por chegarmos tão tarde em casa. Na verdade não eram as coxas de frango nem a fome que nos levava ao leviano programa. Era falta de bom senso.
Fonte:http://www.paimaneco.org.br
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