Colonizada pelos russos no século XVI, a Sibéria é o berço do xamanismo clássico. Mais de 50 tribos, divididas em 3 etnias principais, praticavam os rituais como religião. Em 1672, o padre Avvakum Petrovitch, da Igreja Ortodoxa Russa, publicou seu livro de memórias "Vida", um importante marco da literatura de seu país. Um dos trechos mais impactantes da obra é a descrição de seu encontro, durante um período de exílio na Sibéria, com uma figura completamente exótica aos olhos de um russo civilizado: um xamã.
Mircea Eliade, romeno, historiador das religiões e considerado o maior estudioso do xamanismo, em seu livro "Xamanismo e as Técnicas Arcaicas de Êxtase", na década de 50 (1950), explica que a palavra "xamã" vem do dialeto "tungus", da palavra "saman", aparentada com o termo sânscrito "sramana", que significa "homem inspirado pelos espíritos". O relato do padre Avvakum fez tanto sucesso entre os russos que, a partir da publicação de seu livro, descrever rituais xamânicos tornou-se comum entre os que viajavam pela Sibéria.
E o que é xamanismo? O xamanismo, provavelmente, é a mais antiga prática espiritual, médica e filosófica da humanidade , nascido nas tribos da Sibéria – povos "tungus" – espalhando-se pelo mundo: Patagônia, China, Escandinávia, Austrália e África. Muitos autores reconhecem no xamanismo, a raiz pré-histórica de todas as religiões – é o que afirma o antropólogo americano Weston La Barre. E, o que não se pode refutar, é que em toda parte do Planeta são observados rituais e crenças idênticas ou semelhantes às dos xamãs siberianos. Eles tratavam os doentes (sua principal função), previam o futuro, negociavam com a própria Natureza condições melhores de clima, caça e fertilidade. Já no início da humanidade, os hominídeos, ao observarem os ciclos da Natureza e suas manifestações, muito provavelmente, sem o saber, estabeleceram uma ponte com o macrocosmo, com o Universo.
O xamanismo é um conjunto de crenças ancestrais que, resgata a relação sagrada do homem com o Planeta. O antropólogo americano Michael Harner (que em 1960 foi iniciado como xamã nos Andes equatorianos), define-o como "uma grande aventura mental e emocional". O xamã estabelece contato com outros planos de consciência, a fim de obter conhecimento, equilíbrio, saúde, paz e tranqüilidade. Segundo a visão antropológica, xamã é o curador, o sacerdote da tribo que "viaja" por diversos mundos para obter informações para poder ajudar as pessoas. Talvez, a melhor definição de xamã seja a de Mircea Eliade: "xamã é alguém capaz de abandonar seu corpo e viajar entre os mundos". A principal característica xamânica, segundo ele, é o estado de transe – com detalhes que o distinguem de outros arrebatamentos místicos. Trata-se de um estado alterado de consciência controlado, no qual o xamã entra e sai à vontade e, mesmo em transe, se mantém no controle, não sendo possuído pelos espíritos com os quais se relaciona. Porém, há uma curiosidade envolvendo o estado de êxtase dos xamãs: experiências realizadas no laboratório do Monroe Institut, nos Estados Unidos, demonstraram que o estado alterado de consciência dos xamãs foge dos padrões até aqui conhecidos, em relação à freqüência das ondas cerebrais para estados meditativos: ondas alfa e ondas teta.
Alfa – Entre 7 e 14 ciclos por segundo está a faixa alfa de atividade cerebral. É nesta faixa que ocorrem os sonhos e as fantasias. A hipnose também acontece aqui.
Teta – Entre 4 e 7 ciclos por segundo está a faixa teta. Todas as experiências emocionais são registradas aqui. Essa também é a faixa em que acontece a regressão de memória.
Os xamãs não operam nem em alfa nem em teta, mas sim, num estado de hiperconsciência, onde se manifestam ondas gama, de amplitude e freqüencia elevadas: em torno de 60 ciclos por segundo. Neuropsiquiatras veriam aí, tendências psicóticas, já que, o que se sabe é que ondas que excedam 22 ciclos por segundo (ondas beta – de 14 a 22 ciclos por segundo) são consideradas uma anomalia, levando a pessoa a entrar num estado de histeria aguda. Quando estamos em estado de vigília e realizando as tarefas cotidianas, o cérebro opera nessa faixa: de 14 a 22 ciclos por segundo, na faixa de freqüencia Beta – que é a da mente consciente. (As freqüências inferiores a 4 ciclos por segundo levam a pessoa à total inconsciência, que é o estado de sono profundo)
O xamã é definido como "aquele que voa", e o xamanismo é a prática do êxtase. Para chegar a esse estado, o xamã utiliza "técnicas arcaicas de êxtase" – a mais conhecida delas é a música (sessões de canto e dança ao som repetitivo do tambor ou chocalho); outros métodos incluem combinações de jejum, isolamento, privação sensorial (como a reclusão em uma caverna escura) e o mais polêmico deles – o uso de plantas e fungos psicoativos.
Pode-se apontar no xamanismo, o crucial papel dos animais: no plano inicial, animais e seres humanos não se diferenciavam, eram como uma única entidade. Os xamãs acreditam que os animais são nossas entidades-guias, parceiros da Criação. Estão sempre no interior de cada ser humano, agindo sem que este o perceba.
Mas, seja qual for o método que o xamã pratique, usando psicoativos ou não, o que surpreende a comunidade científica é que os rituais promovem curas. A resposta de que seria por sugestão, não satisfaz mais os pesquisadores. A teoria quântica e seus paradigmas, que eliminaram as fronteiras entre matéria e energia, espaço e tempo, corpo e mente, é apontada por muitos físicos como uma explicação das curas xamânicas: segundo a teoria quântica o mundo funciona como um holograma (imagem tridimensional onde cada célula contém as informações do conjunto completo). Da mesma forma, cada partícula de matéria traz dentro de si todo o Universo. E, a mente humana tem a capacidade de interferir nessa partícula ínfima, quando liberta-se de seu limite racional-analítico, como ocorre nos estados de transe. Michael Talbot, físico, autor de "O Universo Holográfico" afirma: "A idéia do corpo físico como apenas um nível a mais no campo energético humano, semelhante a um holograma formado pela aura, pode explicar os poderes curativos da mente e o controle que ela exerce sobre o corpo em geral".
O modelo holográfico de David Bohm (físico inglês), sugere que todos os elementos estão intimamente ligados no Universo. "Por tudo o que sabemos hoje, não é mais possível tentar conhecer a realidade a partir de apenas um modelo. Devemos reconhecer que existem muitos modelos de realidade a serem compreendidos". E, isso implica uma pluridimensionalidade – e o xamanismo sempre trabalhou com a inclusão de outras dimensões, além das 3 conhecidas. Bohm, dizia nos últimos anos de sua vida que o holomovimento representa uma nova ordem que começa não nos campos de energia ou nas partículas elementares, mas antes numa totalidade indivisa da realidade. E, assim sendo, a maneira de perceber o Universos dos xamãs, encontra ecos na física quântica. Existe uma correlação fundamental, religando tudo que há. Os xamãs percebem o Universo de uma maneira bem mais ampla que aquelas propostas pelos modelos mecânicos do paradigma newtoniano-cartesiano. Eles não apreendem a realidade numa relação de causa e efeito: a realidade é para eles, como uma teia de aranha, uma rede próxima das interconexões observadas nos modelos da física quântica.
A física quântica, na realidade, redescobre conceitos muito antigos. Alguns físicos quânticos chegam a concluir que a matéria não poderia existir sem uma consciência para percebê-la. E, não é à toa que, rituais xamânicos estão acontecendo em alguns hospitais norte-americanos, promovendo curas e a perplexidade da comunidade médica: Centro Médico Fitzsimmons em Denver, no Colorado; Arctic Medical Research (relatórios de Young Ingram e Schwatz); etc.
Com certeza, existem outras hipóteses para explicar como funciona o transe curativo. Mas o fato é que, ainda conhecemos muito pouco sobre o cérebro humano (como atestam a neurologia, as neurociências, etc.) e que, talvez, só mais adiante, no futuro, será possível encontrar explicações – o mistério das curas xamânicas ainda está longe de ser decifrado.
Mas, no mundo inteiro, um número cada vez maior de pessoas e de povos despertam para a memória coletiva de suas culturas e para a tradição xamânica. Hoje, com as ameaças de guerras biológicas, crimes ecológicos, crueldade contra os animais, extinção de várias espécies de animais e de plantas, violência, doenças, destruição das águas, aquecimento global, fome, derretimento das calotas polares, etc., surge do inconsciente coletivo a força do arquétipo do xamã curador. O caos atual ativa o arquétipo do xamã primordial, que retorna para "acordar" a humanidade e curar a Mãe Terra. A existência e a natureza da sabedoria em vigor há milênios, num tempo em que nossos ancentrais viviam em comunidades tribais, tem hoje inspirado e despertado indivíduos, herdeiros espirituais dessa tradição. Despertam em várias partes do mundo, "novos xamãs" – surgem como os novos conscientizadores, curadores, terapeutas, professores e criadores, buscando soluções, propondo o desenvolvimento do lado direito do cérebro, conectado com o inconsciente. Xamãs urbanos distribuem-se pelo mundo todo, promovendo o harmonioso funcionamento do psiquismo (ecologia interna), assim como sugerindo atitudes mais harmônicas para a preservação do que ainda resta do Planeta.
As batalhas estão em curso, novas perspectivas sendo exploradas, inusitadas direções propostas. Com o maior grau de abertura de consciência, maior a capacidade de decidir nossos destinos e os do Planeta. Cada ser humano, individualmente, pode alcançar o conhecimento xamânico interior, que é nossa herança comum. O caminho xamânico proporciona uma experiência direta, única, peculiar e pessoal, sem a intermediação de estruturas impostas por uma religião, seita ou doutrina. Depende de cada um resgatar e utilizar a sabedoria atávica e sagrada dentro de si – cada ser humano acordar e voltar a tornar-se vivo e eterno, em comunhão com a Mãe Natureza.
Fonte:
* Martha Follain *
http://www.3milenio.inf.br
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