O hábito é uma esteira de reflexos mentais acumulados, operando costante indução à rotina. Herdeiros de milênios, gastos na recapitulação de muitas experiências análogas entre si, vivemos, até agora, quase que à maneira de embarcações ao gosto da correnteza, o rio de hábitos aos quais nos ajustamos sem resistência. Com naturais exceções, todos adquirimos o costume de consumir os pensametos alheios pela reflexão automática, e, em razão disso, exageramos as nossas necessidades, apartando-nos da simplicidade com que nos seria fácil erguer uma vida melhor, e formamos em torno delas todo um sistema defensivo à base de crueldade, com o qual ferimos o próximo, dilacerando conseqüentemente a nós mesmos. Estruturamos, assim, complicado mecanismo de cautela e desconfiança, para além da justa preservação, retendo, apaixonadamente, o instinto da posse, e, com o instinto da posse, criamos os reflexos do egoísmo e do orgulho, da vaidade e do medo, com que tentamos inutilmente fugir às Leis Divinas, caminhando, na maioria das circunstâncias, como operários distraídos e infiéis que desertassem da máquina preciosa em que devem servir gloriosamente, para cair, sufocados ou inquietos, nas engrenagens que lhes são próprias. Nesse círculo vicioso, vive a criatura humana, de modo geral, sob o domínio da ignorância acalentada, procurando enganar-se depois do berço, para desenganar-se depois do túmulo, aprisionada no binômio ilusão-desilusão, com que despende longos séculos, começando e recomeçando a senda em que lhe cabe avançar. Não será lícito, porém, de modo algum, desprezar a rotina construtiva. É por ela que o ser levanta no seio do espaço e do tempo, conquistanto os recursos que lhe enobrecem a vida. A evolução, contudo, impõe a instituição de novos costumes, a fim de que nos desvencilhemos das fórmulas inferiores, em marcha para ciclos mais altos da existência. É por esse motivo que vemos no Cristo - divino marco da renovação humana - todo um programa de transformações viscerais do espírito. Sem violência de qualquer natureza, altera os padrões da moda moral em que a Terra vivia há numerosos milênios. Contra o uso da condenação metódica, oferece a prática do perdão. À tradição de raça opõe o fundamento da fraternidade legítima. No abandono à tristeza e ao desânimo, nas horas difíceis, traz a noção das bem aventuranças eternas para os aflitos que sabem esperar e para os justos que sabem sofrer. Toda a passagem do Senhor entre os homens, desde a Manjedoura, que estabelece o hábito da simplicidade, até a Cruz afrontosa que cria o hábito da serenidade e da paciência, com a certeza da ressurreição para a vida eterna, o apostolado de Jesus é resplendente conjunto de reflexos do caminho celestial para a redenção do caminho humano. Até agora, no mundo, a nossa justiça cheira a vingança, e o nosso amor sobe a egoísmo, pelo reflexo condicionado de nossas atitudes irrefletidas nos milênios que nos precedem o "hoje". Não podemos desconhecer, todavia, que somente adotando a bondade e o entendimento, com a obrigação de educar-nos e com o dever de servir, como hábitos automáticos nos alicerces de cada dia, colaborando para a segurança e felicidade de todos, ainda mesmo à custa de nosso sacrifício, é que refletiremos em nós a verdadeira felicidade, por estarmos nutrindo o verdadeiro bem.
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